Num tempo de cartas

* Por Mauro Biazi

19/07/2024 13H32

* Por Mauro Biazi

Uma carta...quem nunca, né?

Guarapuava, 2 de janeiro de 1965.

Queridos tios...a benção.

Espero que esta encontre vocês com muita saúde, paz e felicidade.

Chegamos ontem em Guarapuava. A viagem foi um pouco demorada porque o ônibus da Nordeste atolou na Marrequinha. Tivemos que descer, e o pai e a mãe ajudaram a empurrar. O pai perdeu o canivete de picar fumo e a mãe rasgou aquele vestido de chita que foi no batizado do priminho Pedro. Quando o ônibus conseguiu sair do atoleiro, enguiçou. O pai falou que o motorista falou que o cobrador falou...ah, não lembro mais.

Chegamos na nova casa no fim do dia, mas a mãe ficou até de madrugada dando banho na criançada e lavando os calçados embarrados.

A casa é de madeira. Tem dois quartos, um do pai e da mãe e outro que vamos dormir em 5, eu e os irmãos.

A rua é a Arlindo Ribeiro, fica mais ou menos perto do trabalho do pai, mas eu não sei direito. Ele vai trabalhar numa tal de Caboraci, que eu também nem sei bem o que é nem pra que lado fica A mãe é que não tá boa, parece que pegou um constipado forte. Ficou a noite toda tossindo, ninguém dormiu direito.

Amanhã vamos conhecer a escola e fazer a matricula, uma tal de Tupi Pinheiro. A mãe ainda não sabe como vai fazer se pedirem uniforme. O pai tá sem dinheiro e só vai receber quando terminar o mês. Até lá vamos se virar com as linguiças que nos deram e aquela carne de porco da lata.

Para quem veio do interior de Manoel Ribas, a cidade de Guarapuava é grande. O pai prometeu que domingo vamos num tal de Rio Jordão porque um compadre dele tem um carroção que cabe todos mundo. Estou ansiosa para conhecer.

O Zézinho é que não tá gostando da mudança. Fica o dia inteiro emburrado, brigando com a mãe, pedindo pra voltara lá pro Faxinal. A Eudora e o Estevão não falam nada, mas eu acho que eles não gostaram não. Acho que só quem tá gostando sou eu.

Hoje de manhã acordamos com sinos de uma igreja e bastante apitos de serraria. Dizem que Guarapuava é a cidade da madeira. Do quarto dá pra ver uns par de pinheiro.

Bem, acho que era isso. Vou parar esta pra ajudar a mãe passar escovão na casa, picar lenha, fazer fogo pro almoço, descascar umas batatas doce, vestir os irmãos e ler aquela fotonovela que a tia Esmeralda me emprestou. Comecei e estou louca pra saber se o Agnaldo vai casar com a Ritinha.

Todos estão bem, mesmo a mãe tossindo e o pai bastante preocupado com o dinheiro.

Vamos ficar esperando na Páscoa pelo tio, pela tia e pela primaiada.

Que Deus abençoe a todos! Abraços cheio de saudades!

Da sua sobrinha Edwirges.

P.S. Quando revelarem as fotos vamos enviar uma que é pra lembrarem sempre de nós. O pai pede pra trazerem mais lingüiça e carne de porco de lata, e a mãe esqueceu o tacho de fazer sabão...se puderem fazer o favor, muito obrigado.

(Outras centenas de crônicas como esta no livro Era uma vez...em Guarapuava. Preço: 50,00)

Mauro Biazi

Mauro Xavier Biazi, jornalista/escritor/fotógrafo/promotor de eventos culturais/ gastronômicos, e uma infinidade de outras atividades, usa das palavras para rascunhar recortes de uma vida de tantos feitos e fatos.

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